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terça-feira, 18 de março de 2008

Águas de março

As novelas da Globo me chamam a atenção por um motivo: quase todas trazem em suas trilhas sonoras músicas do Caetano, Gil, Chico, Tom Jobim, Vinícius... Seja em versões originais, muitas delas com mais de trinta anos, seja em músicas novas, seja em releituras dos próprios compositores ou de novos talentos que se arriscam a regravar sucessos.

Para se ter uma idéia, a novela das sete da Globo traz já na abertura o Skank relendo um grande sucesso do Caetano Veloso. E não para por aí. Ainda temos na trilha Ney Matogrosso, Nana Caymmi, Jane Duboc e Paulinho da Viola. Um time de astros de ontem e de hoje. Na trilha das seis está lá o Caetano batendo ponto de novo. E às oito lá está mais uma vez o Caetano, releituras de Chico e Rita Lee, Djavan, Gonzaguinha, Bethânia e por aí vai. Isso só para focar nas novelas em cartaz hoje, e apenas na Globo.

Será que os novos talentos não estão produzindo o suficiente para abastecer esse mercado? Ou será que o público das novelas pede por lembranças de um tempo que já se foi e que deixou saudades? Na minha opinião, nem um nem outro. O mercado fonológico brasileiro é repleto de novidades e talentos. Não acredito que seja certo dizer que os profissionais de hoje não têm o talento dos de ontem. Eles têm sim. Só que o momento e a sociedade os inspiram de outra forma. Talvez nosso presidente da república, por exemplo, não inspirasse hoje nosso Chico Buarque a compor Cálice ou Apesar de Você. Talvez ele inspire apenas a composições como a Dança do Créu. Isso não é uma crítica. Citei o presidente para dar mais peso, mas as influencias vêm de toda a sociedade.

Além disso, acredito sim que nosso Chico Buarque compôs uma obra tão refinada que se tornou atemporal. Em casa, onde somos em três filhos homens, crescemos acostumados a ouvir Chico e seus contemporâneos. Até hoje eles não saem de nossas vitrolas. Digo, de nossos iPods! É gostoso por exemplo, ouvir Águas de Março e se lembrar do Tom Jobim contando que compôs a música em um pedaço de saco de pão, quando tudo estava dando errado na construção de uma casa. Tudo era motivo para a obra atrasar. E um despropósito desses nos trouxe essas águas que devem continuar a rolar por muitas e muitas novelas. Talvez um dia eu pare para fazer um estudo de quantas vezes uma música como essa esteve em trilhas sonoras da TV. No momento prefiro ficar com o doce problema do Tom que se transformou na doce canção abaixo:


Águas de março (Tom Jobim)

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
É peroba no campo, é o nó da madeira
Caingá candeia, é o matita-pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto um desgosto, é um pouco sozinho
É um estepe, é um prego, é uma conta, é um conto
É um pingo pingando, é uma conta, é um ponto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manha, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã

1 comentários:

Anônimo disse...

Não sei pq (ou melhor, sei) tinha outra expectativa. A idéia é ótima, a discussão é interessante, mas não pude deixar de expressar um: "eh isso?". Hahaha