Pages

sábado, 22 de março de 2008

Regina é bonita. Bethânia é linda!

Descontextualizadas, Regina Casé e Maria Bethânia são mulheres feias. Mulheres brasileiras, com feições até certo ponto grosseiras e mal tratadas. Porém as duas têm o dom de usar o ofício a seu favor. Nem uma nem outra precisa, e duvido que precisará um dia, recorrer a banhos de loja, cirurgias plásticas e outros tratamentos para ficarem lindas.
Há alguns anos, não me recordo quantos, fui ao cinema assistir a “Eu, tu, eles”, filme brasileiro sobre relacionamento humano musicado por Gilberto Gil. A trilha sonora é fantástica. A música tema, “Esperando na janela”, embala os sentimentos dos personagens e da platéia que consegue enxergar extrema beleza na pobreza da região nordestina onde se passam as cenas. Só uma coisa se destaca mais do que a música: Regina Casé. O personagem transforma Regina em uma pessoa bonita. Nem seus traços grosseiros, nem seu cabelo mal tratado e nem seus quilinhos a mais ofuscam a beleza das cenas. Na verdade, é ela quem deixa as cenas belas. Sua verossimilhança com o contexto da obra, não deixa dúvidas quanto a sua escolha para protagonista. Se em seu lugar estive uma mulher bonita, o filme perderia a graça. Na cena em que ela dança com um de seus amores a música do Gil, nos sentimos sentados em uma daquelas mesinhas de madeira quase podres daquele salão de chão de terra batida. Desde aquele filme comecei a enxergar Regina de outra forma. Através da essência.
Isso aconteceu recentemente também com Maria Bethânia. Já falei aqui em outros posts e quem me conhece pessoalmente também não hesitaria em dizer que sou um fã da MPB. A boa e velha MPB de Chico, Caetano, Tom e Vinícius. Porém, até uns seis meses atrás, não havia sido apresentado a Bethânia. Claro que já conhecia diversas músicas em sua voz e que já a admirava. Porém, apresentado a um disco inteiro, entrevistas, obra, nunca até o dia em que vi e ouvi pela primeira vez o DVD Tempo, tempo, tempo, tempo, gravado ao vivo em São Paulo no ano de 2005. Uma coletânea escolhida a dedo e interpretada com paixão. Bethânia naquele palco não fica apenas bonita. Fica linda! Ela flutua pelas canções chegando a dar a impressão de que incorporou as músicas. As letras saltam de sua boca com uma facilidade incrível. O arranjo é fantástico. A iluminação é fantástica. A banda é fantástica. E Bethânia, de patinho feio de outrora se torna o reflexo da beleza da mulher brasileira. A mulher batalhadora e sofrida, mas que “levanta, sacode a poeira e da a volta por cima”. Meus amigos me “torram” quando eu digo isso, mas eu espero que elas compreendam que é no bom sentido. Eu encararia Regina Casé e Maria Bethânia.

2 comentários:

Rodrigo Piscitelli disse...

Tive a oportunidade - numa manhã muito fria - de entrevistar Regina Casé. Ela tinha acabado de se levantar, eram sete e pouco da manhã. Foi tomar café e veio para a entrevista desarrumada. Já nas primeiras palavras, porém, confirmei o que sempre senti dela: ela é diferente, especial. Foi uma das melhores entrevistas que alguém me deu (sim, porque a entrevista depende muito de quem pergunta, mas também depende essencialmente de quem responde). Ela deu um show. Mostrou o que eu já sabia e todo mundo vê na TV: ela tem uma visão diferente de tudo e de todos. Consegue ver o belo onde os outros só enxergam o feio; consegue ver esperança onde os outros só vêem desgraça; consegue ver vida onde os outros só enxergam morte.
Sempre fui fã de Regina Casé. A partir deste dia, ela virou uma referência. Todos os seus trabalhos são fantásticos - principalmente os que enveredam pelas veias do jornalismo.

PS: quanto ao "encararia", sem comentários. Para quem encararia a Preta Gil... Hahahaha

Anônimo disse...

Quem poderia esquecer do personagem pretensioso Tina Pepper, de 1986, criado por Silvio de Abreu para ser interpretado por Regina Casé em "Camabalacho", da TV Globo? Inclusive, tal título popularizou o termo “cambalacho” como golpe, logro ou trambique. Quando também entrevistei Regina Casé sobre esse personagem, que satirizava de forma carinhosa a cantora estadunidense Tina Turner, a resposta não poderia ser outra: “Tina Pepper abriu e abre as portas para mim até hoje”. Regina não só mostra-se uma atriz de primeira, como também expõe suas visões sobre o mundo de forma tão meiga como só ela pode.